O novo mercado da música e cenário indie no Brasil: entrevistas

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Written on 13:56:00 by Maurício Angelo

Como prévia de uma grande matéria que a Movin' Up está realizando sobre todas as transformações ocorridas no mercado mundial da música nos últimos anos e o cenário independente no Brasil, resolvi publicar aqui todas as 7 entrevistas feitas. Como apenas algumas declarações serão aproveitadas na reportagem final e dado o ótimo resultado das respostas, creio que é de interesse geral e de todos aqueles que alimentam a cena que isto pudesse vir a tona de forma completa.




Foram direcionadas perguntas semelhantes à 7 nomes da cena indie brasileira: Léo Santigo, editor do portal Fora do Eixo, Malu Aires, produtora e idealizadora do BH Indie Music, Christian Camilo, vocal e guitarrista da banda Instiga, Eduardo Ramos, fundador da Slag Records, Felipe Gurgel, da equipe de produção do projeto Noise-3D e membro do grupo O Garfo, Dary Jr., vocalista do Terminal Guadalupe e Paulo Floro, editor da revista eletrônica O Grito. As respostas dão um bom panorama do que acontece atualmente no mercado brasileiro/mundial e das opiniões de pessoas relevantes para a cena. As entrevistas estão reproduzidas na íntegra, sem nenhum corte. Aproveitem.


Léo Santiago - Editor do Portal Fora do Eixo



Quais as principais características do mercado independente de música hoje em dia?


Só há mercado onde existem relações de troca de bens por outros bens ou por dinheiro. Ou seja, só existe mercado independente de música onde os músicos recebem algo em troca por seus trabalhos. Sendo assim eu vejo dois grandes mercados consolidados atualmente no Brasil. Um é o do Eixo Rio-São Paulo e outro é justamente o do Circuito Fora do Eixo.


O primeiro é desorganizado e sua principal característica é estar localizado nos dois principais centros econômicos e populacionais do país. Se o sujeito fizer um show instrumental com um berimbal em SP vai ter gente pra ver porque existe público pra tudo numa cidade desse tamanho. Esse mercado é tão grande e tão ágil que se torna muito difícil ter algum tipo de organização. As coisas acontecem mais por iniciativas individuais ou de pequenos grupos do que pela existência de uma "cena" local. As coisas pipocam a todo momento por todo lado sendo, muitas veze, incorporados rapidamente ao mainstream.


Já o segundo é um mercado pensado e construído passo a passo durante anos justamente pra fazer frente a esse monopólio. A escassez de recursos financeiros, de veículos de comunicação e mesmo de população exige muito mais cuidado e esforço na hora de implementar ações, tanto que grande parte da cena é construída a partir de economia solidária, ou seja trocando serviços, sem o uso de dinheiro. Nesse mercado as coisas não acontecem por acaso: existem objetivos a serem alcançados em conjunto e a auto-avaliação também é feita coletivamente.


A partir disso acho que a grande questão do mercado independente hoje é ser cada vez mais auto-sustentável e diversificado. Existe um circuito com seus próprios veículos de comunicação e bandas que nasceram ali e podem sobreviver tocando neste circuito. Isso é fantástico, uma coisa impossível há poucos anos atrás quando não tínhamos a internet. Eu não ligo o rádio há mais de um ano, vejo pouquíssimas coisas de música na tv a cabo e mesmo assim nunca ouvi tanta música e tantas bandas legais como agora. Onde elas estão? Todas na internet. Quem acredita que o cenário musical brasileiro é aquilo que ouve na rádio e vê na tv está sendo passado pra trás. O problema é que grande parte do público é preguiçoso e está acostumado a consumir aquilo que chega até eles, mas na internet as coisas são um pouco diferentes. É preciso ter atitude e partir em busca do que você quer. Aliás acho que hoje, mais do que nunca, cenário independente se caracteriza pela atitude de quem faz a cena.



Como uma banda iniciante e/ou sem apoio de algum selo pode conquistar seu espaço?



Primeiro é preciso saber em que cenário você está inserido. Quais são as bandas, qual o tipo de público, os veículos, o perfil das casas de shows etc. O ideal é começar localmente. Conquistar espaços em sua própria cidade ou mesmo no bairro. Agregar amigos e outras bandas e tentar se organizar como coletivo é a melhor forma atualmente de dar visibilidade a uma banda. Posso citar o exemplo do Fórceps quanto a isso. O coletivo foi criado em outubro de 2007 em Sabará e chegamos a ter períodos em que não tínhamos sequer uma banda de trabalho autoral em Sabará com a qual pudéssemos trabalhar. Por outro lado, já tínhamos feitos dois festivais e o Fórceps já era conhecido por grande parte da cena independente nacional. Em abril quando surgiu a banda de rock instrumental 4 (www.myspace.com/4instrumental) eles encontraram um caminho já aberto e a banda está se beneficiando de todo o trabalho que fizemos meses antes. O Primeiro show foi no festival Minas Instrumental que é um festival grande, geralmente realizado na praça da liberdade em Belo Horizonte, tem cachê e estrutura legal. O myspace da banda foi criado em junho e em uma semana teve quase 300 plays. É mais do que qualquer outra banda de Sabará conseguiu em meses!


Então é isso: se organizar, fazer contatos e abrir novos caminhos. Também é necessário ter pelo menos umas 2 músicas bem gravadas e partir para uma divulgação séria, utilizando os veículos disponíveis na internet: myspace, lastfm, orkut, youtube, blogs etc. A partir deles o músico pode fazer com que as pessoas certas (público alvo, produtores, donos de casas de show, bandas....) conheçam a banda. Se for uma coisa organizada, essas pessoas já começam a olhar para você como integrante de uma cena o que é bem mais interessante. Se você grava uma música nova, vai fazer um show ou participou do trabalho de alguém, isso tem que ser notícia. Publique no blog mande release pra outros blogs com fotos de qualidade e link para o áudio.


Uma coisa fundamental que temos percebido que as bandas não fazem é frequentar os lugares certos. Não adianta ter uma banda e ficar indo em show de banda cover ou em boate de música mecânica. Você precisa ir onde seu público e as pessoas que interessam à sua banda vão, ou seja, principalmente nos shows e festivais. Durante o festival Eletronika e durante o Campeonato Mineiro de Surf foram realizados alguns seminários com convidados de grande importância como o Talles do Jambolada, o Miranda, o Lúcio Ribeiro, o Pedro Alexandre Sanches e várias outras pessoas. A média de público nesses eventos deve ter sido de 40 pessoas por dia, sendo que muitas nem eram músicos. Dá pra acreditar numa cidade que quer construir uma cena na qual nem os próprios músicos comparecem aos eventos feitos para eles? Esses eventos são uma oportunidade única de se informar, conhecer gente e divulgar seu trabalho, se você não comparece merece mesmo é ficar tocando para os próprios amigos o resto da vida.



Ah, e se depois disso tudo sua banda não emplacar......poupe nossos ouvidos e procure outra coisa pra fazer. Existem dezenas de modos de participar do mercado musical sem estar numa banda.


Como o Fora do Eixo atua nesta área? Como ele surgiu e qual seu objetivo?


O Fora do Eixo nasceu da movimentação que já existia em algumas cidades como Cuiabá, Uberlândia, Goiânia..... Diversos profissionais se reuniram em 2005 e viram a necessidade de se organizarem justamente para criar um circuito interligando tudo o que estava acontecendo em várias regiões do país e a partir daí começar a pensar ações conjuntas em pró do desenvolvimento da cena independente. Vale lembrar que na mesma época foi criada a Abrafin, o que deu ainda mais gás ao cenário.



Fazer parte do Circuito Fora do Eixo hoje é estar integrado a 20 Estados e ter a certeza de que seu trabalho chegará a estes locais. Para isso existem vários blogs, selos e festivais, além dos coletivos locais do portal Fora do Eixo (www.foradoeixo.org.br) para onde toda a produção converge. Com todos esses instrumentos à disposição dos músicos é cada vez menos necessário o suporte de gravadoras. E o mais interessante é que o Fora do Eixo tem menos de 3 anos e tudo o que já foi feito é só o começo. Um exemplo é o festival Grito Rock que em 2007 foi realizado em pouco mais de 20 cidades, número que dobrou em 2008. Acho que em 2009 o festival pode chegar perto de 100 cidades, lembrando que ele já realizado em outros países como no Uruguai que fez um festival com mais de 3 mil pessoas este ano.



Christian Camilo - Vocalista da banda Instiga



Como uma banda independente pode se auxiliar da internet para, saindo do nada, conseguir seu espaço?




A internet conecta pessoas muito diferentes em todo o mundo. São culturas, línguas, impressões e até jeitos de ser ouvir música que se distanciam muito de uma região para outra. Acredito que procurar podcasts, radios on-line e blogs que escrevem e divulgam música independente é um caminho muito interessante e que traz reconhecimento artístico e contribuições de crítica especializada em seu país e até no exterior. Mas algo certo além da divulgação é que quanto mais novidades, ou digamos, conteúdo você produzir como artista , maior será atenção que vai atrair dos amigos e de pessoas que por um motivo de simples curiosidade irão acompanhar seus trabalhos e notícias. Como um big brother, as pessoas estão interessadas em tudo que diga respeito a sua vida como compositor, ou artista.






As formas de comunicação/espaço na mídia advindas com as facilidades da comunicação online são realmente eficazes e abrem oportunidades para bandas indie? É um meio democrático? Não há nenhum preconceito herdado das mídias tradicionais por parte dos jornalistas?




Esse preconceito pode existir ainda mas tende a cair com o tempo. Agora, oportunidades para bandas indie dependem na minha opinião das relações que você como artista constrói com seus contatos e pessoas que conhece pessoalmente. Ter a chance de divulgar sua banda e espalhar sua música já é uma maneira de poder alcançar um nível de expressão que só era possível as grandes comporações e aos ricaços que se aventuravam empresariando no mundo da música. Hoje, "Ter uma banda na mídia" é quase concretização dessa democracia artística - da classe média que vem a grande contribuição em número de bandas e artistas hoje em tempos de internet. Algo muito semelhante ao que ocorria nas décadas que antecederam os mitos "Beatles" e "Elvis".




Malu Aires - Produtora de shows e idealizadora do festival BH Indie Music




Quais as principais características do mercado independente de música hoje em dia? Como uma banda iniciante e/ou sem apoio de algum selo pode conquistar seu espaço?




O mercado de música independente sempre existiu desde que o fonograma ganhou nome. As pessoas gravavam e ficavam andando léguas com um LP produzido com todo o dinheiro que tinham, atrás de gravadoras que pudessem prensá-los em larga escala, ou refazê-los em estúdio com tudo pago. Depois, as K7´s (fitas demos) fizeram esse papel de forma mais barata. Quem não conseguia gravadora, vendia de mão em mão em show aberto.



Quando entra a tecnologia digital, os CD´s tomaram espaço do K7. Mas como a mídia era a mesma usada no comércio das lojas, a definição "independente" teve que se fazer necessária para distinguir um trabalho de major, a um trabalho indie - feito com as próprias mãos.



A produção fonográfica, antes restrita à pessoas jurídicas, ganhou autorização independente à pessoas físicas - os autores. O termo "Independente" se calçou legalmente.





Hoje, com a morte prenunciada das gravadoras e com os selos fazendo exclusivo papel de distribuição, os independentes ficaram mais organizados e, vendo que a vendagem dos discos se devia a produtividade artística de shows, montavam suas próprias "barraquinhas" e consignavam cinco cópias por lojas onde passavam. A terceirização se fez desnecessária.





Queria deixar bem claro que independentes (bandas ou artistas) não são iniciantes. É jocoso e desrespeitoso esse termo. Fazer um disco, gravá-lo, mixá-lo e masterizá-lo de forma profissional, não é barato, nem tarefa para amador. A demanda de trabalhos independentes eclodiu em razão de uma nova postura para tratar a música como arte. Os artistas existem, os discos estão prensados, encapados e distribuídos, os shows sendo apresentados ao público, vindo ou não um executivo de gravadora interessado. Não somos órfãos das majors. Somos genuinamente e conscientemente independentes. Estamos no BH Indie Music, trabalhando com artistas que já possuem disco ou discos, já estão inseridos no mercado fonográfico e vendem discos de mão em mão há muitos anos.



O início de uma banda, sua formação, ensaios, composição de faixas, gravações demos, produção fonográfica de disco de trabalho, já foi superado. Uma banda iniciante que queira se definir independente, tem que ter disco e com registro fonográfico no ECAD. Tem que ter estrada, consciência logística, exercício profissional e legal do seu patrimônio intelectual para se definir independente. Sem esses cuidados atentos, um artista, um coletivo, não pode agir de forma séria e segura no mercado fonográfico. E, se depois de tudo isso, procura um executivo pra fazer o trabalho pesado, perde o título indie. O independente é auto suficiente e auto gestor.





Venho trabalhando para um mercado comum entre o comercial, hoje praticamente de massa e o independente que, organizado, ganha respeito, visibilidade e competitividade artística comercial.





O que acha das novas formas de se vender música, como SMD, ITunes, comércio de faixas digitais em máquinas na rede Wall-Mart, e caminhos como o MySpace e outras ferramentas?





Acho que um passo importantíssimo e respeitoso, vem fazendo o TramaVirtual. Este sim está atento ao direito reservado do autor e também cumprindo o papel de comercialização de fonogramas independentes no Brasil. É pioneiro e merecedor de atenção e imitação. As bandas que não estão atentas ao seu patrimônio (obra composta) que é intransferível e legalmente protegido em lei, contra duplicações exibições e distribuições não-autorizadas, perde em auto-estima. Desvaloriza o mercado independente que é rico e exclusivo em liberdade criativa.




Hoje, estes sites movimentam milhões em patrocínios. Publicar obras nestes sítios, aceitando termos de cessão aberta é comprometer com a propriedade do único bem que o artista tem - sua música, sua obra, sua execução conexa, seu fonograma e seu direito de propriedade sobre ela. As maravilhas de benefícios que se publicam dia-a-dia, não contam esse outro lado da história. Os artistas independentes ainda não ganham com shows para que seja aceito o discurso de uma divulgação compensatória e lucrativa. A obra é dada. Se contabilizada, teríamos no Myspace mais de mil discos vendidos por artista independente.




A tecnologia está chegando e trazendo todo mau hábito já exercido pelas gravadoras quebradas. Muitos artistas independentes vêem qualquer oferta como oportunidade. E algumas oportunidades podem selar a morte de suas carreiras, bandas e direitos sobre suas obras.


Mas a tecnologia a serviço da Lei do Direito Autoral, da Propriedade Intelectual e da distribuição transparente destes direitos, será sempre bem-vinda.




Para os produtores de shows, como este cenário afeta os eventos? Facilita ou não? Como é estar presente neste novo mercado, modificado tanto na forma de se vender quanto na mentalidade do público consumidor?





Temos nós, artistas independentes, que nos mantermos em alerta para não nos tornarmos "artistas virtuais", com fonogramas digitalizados sem registro de autoria no Myspace e shows apresentados pelo play do YouTube.



Fonogramas dispersos não compõem uma obra, como exerce o papel do álbum em começo, meio e fim. Quem mais deverá agradecer daqui há alguns anos, é o público quando, disco, show e faixa forem tratados com igual atenção e zelo pelo artista.




Devemos estar atentos de que o mercado musical de entretenimento, com a invasão do cenário independente, pede mudanças e posturas diferenciadas ao que vinha sendo empregado pelo mercado de massa. As mídias não são convencionais, são eletrônicas e alternativas, também se faz necessária mais veiculação espontânea extinguindo o famoso jabá e publicações pagas. O público também se difere em idade e exigência, agora, estando mais informado do que nunca. E o tempo é mais longo para quem emprega capital próprio e privado nas produções.



Se a tecnologia avança em visibilidade e divulgação de um trabalho independente, que os produtores usem essa informação como ferramenta de promoção de seus eventos. Devemos somar recursos com inteligência e equilíbrio de ações para um longo prazo.


Os shows e os discos, sempre foram tratados de forma distante, mas congruente. Discos vendem shows e shows vendem discos. Mas produtores de eventos e shows não são, necessariamente os produtores fonográficos e, muitos, estão se preocupando com bilheteria e número de cervejas vendidas, mais que grades de programação e tecnologia sonora.





Mais atitudecom a produção artística e menos postura de produção musical, pede a cena independente. Uma atenção única centrada em benefício do artista independente e sua performance, geraria uma auto-sustentabilidade maior para as bandas e para esse novo mercado de música. Boa performance com qualidade de exibição sonora atrai a vendagem de discos, que deveriam ter sempre exposição nos locais de show - festivais e casas. Um supermercado de ofertas dos produtos gerados pelo artista, num mesmo local. O show é a exposição física - essa é a visão imediata que devemos ter, na gestão do entretenimento sobre o cenário atual independente.





Os produtores de shows e também de casas, estão perdendo um filão de mercado quando não enxergam o apelo que a música independente pode criar em benefícios de atrativo ao público, quando, em fato, ele espera sempre ser surpreendido.



Mas o avanço comercial de trabalhos independentes, promete mudanças ainda mais drásticas em toda a máquina do entretenimento musical convencional. É aguardar mais alguns poucos anos e, logo, estaremos surpresos com a auto-gerência que os independentes podem desenvolver, se não surgirem, há tempo, parcerias verdadeiramente colaborativas.




Eduardo Ramos - fundador do selo Slag Records




O que acha das novas formas de se vender música, como SMD, ITunes, comércio de faixas digitais em máquinas na rede Wall-Mart, e caminhos como o MySpace e outras ferramentas?


Eu tenho certeza que tem gente ainda disposta a pagar por música. Questões de preço e oportunidade precisam ser levadas em consideração. Por exemplo o SMD é algo que funciona muito bem para quem vende CDs em show... no calor do show as pessoas querem comprar algo e um CD de 5 reais é absolutamente perfeito. O Itunes é o maior repertório na sua frente... só falta melhorar o preço e existir no mundo todo... o Wal Mart é o meio termo... um bom repertório com um preço competitivo... mas acho que estes quiosques tendem a morrer... e o Myspace é a maior rádio/revista/catálogo/tv do mundo e a única que é mundial... e hoje em dia, quem não está no myspace não existe.



Para as gravadoras, com tantos recursos digitais, faixas disponibilizadas gratuitamente na internet, artistas colocando discografia inteira para download de modo oficial...o que resta do comércio físico de música? Como os selos estão se adaptando ao mercado? O que isto traz de bom e ruim para o cenário num todo?



O comércio físico de música virou comercio de arte/nicho. Quem compra formatos físicos ou são consumidores de artistas extremamente populares ou de nicho, o que sustentava a indústria era o meio termo, que parou de comprar cds por completo.... o que resta do comércio é ser o mais específico possível... saber com quem você está lidando e a cada minuto do dia fazer a pergunta: eu preciso mesmo fazer um formato físico? Eu faço consultoria para bandas e algumas delas estão fazendo discos em vinil, por uma questão de que o público deles gosta de consome vinil... paga um bom valor por este tipo de formato.



Os selos morreram completamente... hoje em dia selos prestam serviços para bandas. Não tem como pensar em lançar CDs, então não existe muito como ganhar dinheiro como selo que tem como atividade principal lançar discos. No meu caso eu tornei a Slag mais uma consultoria/produtora, aonde eu trabalho com bandas para realizar planos de marketing e estratégia... e sinceramente os resultados já começam a aparecer. Mas a primeira pergunta que eu faço para uma banda é: o que você quer fazer? Deste ponto em diante pensamos em uma estratégia. Ainda tem muito público e maneiras de chegar neste público... e obviamente, ganhar dinheiro com isso. Se é a sua audiência ou uma empresa que vai pagar a conta, é uma questão de quem coloca a mão no bolso.



Não sei o que de ruim traz para o cenário, porque isto - pelo menos para mim - está um tanto quanto muito novo... mas posso dizer que hoje trabalho com mais bandas do que quanto obrigatoriamente tinha que lançar um disco da mesma para fazer parte do meu selo.




Dary Jr. - Vocalista da banda Terminal Guadalupe




Como uma banda independente pode se auxiliar da internet para, saindo do nada, conseguir seu espaço? Qual a experiência do Terminal Guadalupe?


Nós identificamos portais, sites, webradios e blogs especializados em música independente. Depois de listar os mais importantes, adotamos formas diferentes de dar atenção a cada um deles. Isso significa trabalhar canções específicas, versões alternativas, gravações ao vivo. Com isso, quem recebia os nossos mp3 sempre valorizava a banda por receber algo com uma certa dose de "exclusividade", ainda que temporária. Outro dado importante foi manter esses veículos sempre informados. Em média, enviamos cinco boletim de notícias sobre as atividades do Terminal Guadalupe por mês. Aí, no caso, é bom não confundir com notas "fabricadas". É preciso dar informação de verdade: uma mudança de integrante, a lista de canções do próximo álbum, por exemplo. O vídeo da última viagem da banda pode interessar ao fã, mas não ao jornalista. Portanto, bom senso ajuda nessa hora.


As formas de comunicação/espaço na mídia advindas com as facilidades da comunicação online são realmente eficazes e abrem oportunidades para bandas indie? É um meio democrático? Não há nenhum preconceito herdado das mídias tradicionais por parte dos jornalistas?


Eu diria que é mais democrático, sim, embora muitos desses comunicadores virtuais às vezes se dêem tanto valor e exibam uma vaidade comparável a vacas sagradas da grande imprensa. Um jornalista anglófilo e modernete do eixo Rio-São Paulo pode até dar uma torcidinha de nariz, mas não há como ser indiferente a um trabalho de qualidade, mesmo que seja cantado em português e sem programações eletrônicas. Nós conseguimos nos firmar com um som fora de nichos: não somos emo, não somos Strokes, não somos Los Hermanos, não somos mod, não somos eletro. É o que eu sempre digo para as bandas afoitas em criar uma ampla rede de relacionamentos na mídia: você pode até ser herdeiro do Roberto Marinho, mas se a canção que fizer não for boa... Pirotecnia visual e marketing? Sorry. A música é quem manda, amigo.


Felipe Gurgel - Projeto Noise 3-D e banda O Garfo



Quais as principais características do mercado independente de música hoje em dia?


Ainda não enxergo o ponto em que se possa chamar o circuito independente de "mercado". Na engrenagem do mercado todas as partes saem ganhando algo e isso nem sempre acontece ainda. É notório e empolgante o fato de que o poder público e certa fatia do empresariado - ainda que vagarosamente - têm reconhecido esse "nicho" e algumas pessoas conseguem trabalhar. Sinto falta de um sentido de cooperação maior. Os músicos ainda sonham com altos padrões de viagens em turnês, palcos gigantes, etc... Não conseguem visualizar simplesmente viver numa condição decente e conseguir pagar suas contas, tem que ter sempre mais superficialidades. Bem ou mal, há muita movimentação sim, o circuito é dinâmico. Mas o termo "independente" sequer é levado a sério por vários músicos, mesmo que eles façam parte desse circuito. Então, se nem eles estão a fim de encarar uma nova forma de trabalhar - sem os pés fincados em manias de grandeza - como se pode pensar em mercado independente? Regalias fazem parte de uma lógica extremamente dependente. Acho que esse é o nosso maior atraso em relação ao desenvolvimento desse mercado. Mesmo porque os que toparam trabalhar sério, sem a ilusão de esperar pelo sucesso, acabaram se dando melhor.


O que acha das novas formas de se vender música, como SMD, ITunes, comércio de faixas digitais em máquinas na rede Wall-Mart, e caminhos como o MySpace e outras ferramentas?


Fantástico. Tenho 25 anos. Eu cresci com a evolução dessas ferramentas, então minha visão de mundo hoje é totalmente influenciada por essas novas mídias que mudaram a forma das pessoas consumirem música. Mas contrariando a expectativa que o senso comum tem de encontrar fórmulas prontas, essas mudanças colocaram a gente em um trânsito caótico de informação musical. Diria que nenhuma dessas mídias atinge uma forma ideal. O My Space tem evoluído bastante, sobretudo porque você percebe uma direção de conteúdo até certo ponto saudável - equilibrando destaques que chamam público para o site e a exposição democrática. Acho que esse "trânsito caótico" tem uma carta na manga muito interessante: você estabelece um filtro para que artistas talentosos de fato encontrem seu público. A minha preocupação é que isso de fato atraia investimento e o consumidor tenha condições de usufruir desse amplo leque de opções. É dar murro em ponta de faca achar ruim o fato de que hoje você conhece algumas bandas em um determinado instante para talvez não ouvir nunca mais, de tanta música para escutar. A mudança de cultura já aconteceu. Antes você tinha uma oferta bem menor, não se compara.


Para os produtores de shows, como este cenário afeta os eventos? Facilita ou não? Como é estar presente neste novo mercado, modificado tanto na forma de se vender quanto na mentalidade do público consumidor? Qual a experiência do Noise-3D?


Costumo dizer que o grande desafio é levar o público que tem o hábito de baixar mp3 para os shows de banda independente e autoral. As novas mídias contribuem para um processo que ainda precisa ser bastante alimentado: fazer com que as pessoas estejam a fim de escutar coisa nova. É claro que de algumas formas facilita para os produtores. Quando que uma banda independente de Fortaleza teria a condição de ter um feedback decente de um show em Natal, por exemplo, não fosse a Internet, as redes sociais, etc? O problema é que a facilidade gerou acomodação também. Se uma banda tem pouca audiência no próprio fotolog, adianta divulgar o show só por ali?



Estar presente nesse "novo mercado" é conseguir visualizar a cadeia produtiva, sem nutrir expectativas somente pelo palco. Acredito que o artista valoriza mais o todo quando passa a entender, e sobretudo cumprir, as etapas do processo. A experiência do Noise 3D já dura mais de 5 anos, porém minha relação direta com a marca é recente. Trabalho com o Dado (idealizador e principal produtor do projeto) desde Janeiro de 2008. O Noise já batizou um clube que foi muito importante para a cena de Fortaleza, integrado com o que acontecia fora daqui também. Depois que o clube acabou, entrei como parceiro da festa por acreditar que ela cumpre não somente a função de entreter: o Noise, através da discotecagem do Dado e DJ´s convidados, é a "rádio" que orienta uma galera a fim de ouvir som novo. Há um compromisso cultural de alimentar a sensibilidade desse público. Isso ajuda as pessoas a compreender o trabalho das bandas autorais, acho fantástico. Meu papel é de bastidores: sou assessor de comunicação do Noise, apesar de hoje trabalhar também como "sócio" nas edições comemorativas com bandas nacionais. O resultado tem sido interessante e a festa passou a ter um reconhecimento maior de patrocinadores e apoiadores.



Paulo Floro - editor da revista eletrônica O Grito



Quais as principais características do mercado independente de música hoje em dia? Como uma banda iniciante e/ou sem apoio de algum selo pode conquistar seu espaço?



O mercado independente de música está crescendo. O que está em queda são as antigas relações gravadora-artista, sobretudo no mainstream. O CD hoje é apenas um suporte de divulgação das bandas, não sua sustentação principal. Tanto no Brasil quanto na Europa e EUA, pequenos selos ganham relevância com artistas alcançando sucesso de público e crítica. E isso não é conseguido com vendagem de discos e sim, com uma boa divulgação, shows e, claro, alguma qualidade e criatividade. Para conquistar seu espaço, as bandas novas hoje em dia precisam conhecer como funciona o mercado em que estão entrando. Se entrar com uma visão romântica de que serão acolhidos por uma grande gravadora e ficarão ricos, vão quebrar a cara. Isso pode até acontecer, mas eles precisam se perguntar até que ponto irão abrir mão da liberdade criativa para fazer sucesso. O modelo mais utilizado e coerente é trabalhar em parceria com pequenos selos independentes. Aqui no Brasil, ainda há muito o que crescer neste sentido.


O que acha das novas formas de se vender música, como SMD, ITunes, comércio de faixas digitais em máquinas na rede Wall-Mart, e caminhos como o MySpace e outras ferramentas?



Recebi alguns discos de bandas independentes no formato SMD e achei bem interessante. Acredito que as bandas e selos devam buscar outras formas de comercializar música. Mas também precisam ficar cientes de que os outros formatos podem conviver normalmente. Ainda não encontramos o momento ideal da comercialização de música pela internet, mas este comércio naturalmente irá será a regra no futuro. As próprias gravadoras já descobriram que não adianta mais lutar contra isso e agora, buscam formas de lucrar com a web. Enquanto isso, todos procuram maneiras criativas de distribuir seus trabalhos. Até uma das maiores bandas do mundo, o Radiohead, acirrou esta discussão sobre o valor da música.



Para os jornalistas, o que está nova realidade representa?



Como falei, estamos vivendo esta nova realidade e fica difícil prever o que o futuro reserva para a distribuição de música. O que sabemos é que a internet será o veículo principal tanto na comercialização quanto no download gratuito. Todo dia surge uma nova idéia que explora a web de maneira inteligente e lucrativa, mas ainda não se chegou a um modelo ideal (e talvez nunca chegue). Como jornalista, acredito que o disco, enquanto conceito deva existir. A idéia de "álbum" é muito importante para firmar o trabalho de uma banda. Ninguém baseia uma carreira apenas em faixas dispersas. Precisa ter uma unidade, uma idéia, juntas num único conjunto, o disco. Mesmo que não seja lançado fisicamente, sua existência já funciona como agendamento, o que para imprensa é muito importante. Na revista recebemos muito email de bandas querendo divulgar o trabalho, mas as que mais receberão destaque são as que têm algum disco pronto, mesmo que nunca lançado em formato físico. O disco não irá morrer, o que está entrando em decadência são as formas de distribuição e comercialização tradicionais. As bandas precisam compreender este momento se quiserem adquirir relevância nos próximos anos.


Links:


Fora do Eixo


Instiga


BH Indie Music


Slag Records


Terminal Guadalupe


Noise 3-D


Revista O Grito

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