Nuda em BH: psicodelia-urbana popular, break e ursos do cabelo duro

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Written on 15:42:00 by Maurício Angelo

Festival OutroRock - Matriz - 07.06.08



Belo Horizonte é um lugar estranho. Quem olha de fora pode achar que um estado com tanta tradição musical produz bandas de qualidade aos montes e tem uma cena forte e bem estruturada, com casas, eventos e iniciativas conectadas com outros pólos do país. Nada mais enganoso. Em sua maioria, as bandas mineiras apostam em covers de clássicos do rock e contemporâneos do metal, lotando (com sorte) clubes e bares destinados a isto. O próprio Matriz é estigmatizado como local onde bandinhas de metal, gótico e "hardcore" de qualidade duvidosa se apresentam toda semana, quase sempre às 2 da tarde. A capital mineira está infestada de covers de tudo quanto é nome que você puder imaginar. E pra piorar, pouquíssimas delas prestam.




Felizmente, bandas alternativas começaram a ter coragem de produzir material próprio (e acreditar nisto), gerando o embrião de uma cena independente ainda crua e trôpega. O coletivo Fórceps é um dos grupos que trabalham para mudar o quadro. Na noite do último sábado subiram ao palco do Matriz o Fusile, com seu indie rock bastante calcado em Pixies, trazendo a adição interessante de um trompete e o Nuda, de Recife, já entrevistado anteriormente no site.




Primeiro show fora do circuito nordestino, o grupo iria apresentar seu som, já "estranho" em primeira instância, para um público indefinível, variando entre indie's blasé e curiosos perdidos. Fauna mista que gerou um momento cômico: pessoas mandando um "break" improvisado enquanto o DJ Chris Foxcat executava rocks alternativos nas pick-up's. Prenúncio do que viria?




"Colibrilho" iniciou a apresentação e deu o tom do azeite psicodélico que lubrifica as bases desse conjunto tão singular em sua coragem e idiossincrasia. Nem o som instável do Matriz e os tradicionais (pequenos) problemas técnicos atrapalharam. No meio da catarse, eventuais escorregões são transformados em oportunidade para destilar o rock jazz regional popular (!?!?!) destes malucos, conseguindo fazer com que isso funcione muito bem ao vivo.




Judá tem participação vital nas percussões. É ele que puxa o instrumental para um plano etéreo e ao mesmo tempo brasileiro, contribui para o swing negro que este bando de branquelos exala. Rapha (voz/guitarra) e Dossa (guitarra/violão) se revezam em bases polivalentes e todas as cores que explodem das caixas de som. A cozinha de Henrique (baixo) e Scalia (bateria) termina o tempero com punch, quando é preciso, e uma deliciosa salada rítmica que não peca pelo excesso nem vai além do necessário.




Assim, composições como a profética "Alumia" e a nova e auto-explicativa "Oníricas", crescem e se formam. A cadenciada (e romântica) "Duns" - traços de forró? - é um pequeno exemplo da beleza poética que escorre das letras, banhando-as de uma simplicidade enganosa, tão cativante quanto única. "Do par, a parte que me toca, não te toca caber não, pra que arrebanhar o vasto, se eu já desvendo encanto à imensidão? Você é tão...não sei te definir, é como luz brincando cor, se o par é um dois ou se ele é dois um, melhor brincar de sermos duns."




"Ode Aos Ratos", releitura de Chico Buarque, impressiona pela escolha e caracterização, ficando tão "Nuda" quanto qualquer outra de autoria própria. Já "Fato: Mamado Vado" é "a" peça final, krautrock e bossa nova em plena combustão, na música de maior peso e mais intensa do repertório. Como contraponto, a última é a também inédita "A Maré Nenhuma", um samba de respeito, flertando com o clássico, mas perfeitamente original, transformando tudo em festa.




A impressão que fica é que, apesar de estar em início de carreira, dando os primeiros passos, a Nuda surge com uma qualidade e uma proposta criativa e felizmente orgânica, soando natural, deixando suas composições e sua energia fluirem, em CD e no palco, além das letras que dificilmente encontram comparativos entre os grupos atuais. Um show à altura do talento que possuem.




Quanto ao "urso do cabelo duro"? Melhor não explicar. Uma dessas coisas esquizofrênicas que só o cenário "alternativo" proporciona. Sorriso e choque misturados ante a simples surpresa do que sai das mãos, da boca e da cabeça daqueles cinco caras presentes ali. Uma ciranda dos sentidos onde todo mundo é convidado a entrar.




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