40 anos de Maio 68: a reflexão não será televisionada
Written on 12:02:00 by Maurício Angelo
, "comemorar" maio de 68 é uma situação estranha. E este texto não começa com uma vírgula, herança direta do artifício usado por Clarice Lispector em algumas de suas obras, por acaso. A vírgula, logo no início, sem aviso prévio, simboliza que algo já aconteceu antes...alguma coisa esteve presente na experiência, na teoria e no imaginário social para chegarmos do ponto onde esta reflexão se inicia.
O que é a TV? Uma tela inócua de representação do mundo? Entretenimento, notícia, cultura? É um meio com vida própria? Teria ela identidade política? Nenhuma das primeiras respostas que possam vir à mente devem, a princípio, serem aceitas. Para o teórico da comunicação Joshua Meyrowitz, autor do premiado "O Impacto Da Mídia Eletrônica no Comportamento Social", a TV foi um dos principais elementos responsáveis pela onda de revoltas que culminaram no maio de 68. Como nova mídia, ela rompia com a relação entre mitos e realidade social paulatina (e separada), com que as crianças e por conseguinte a população, absorviam estes dois aspectos, que agora eram despejados de uma vez. O mundo agora explodia em calor, caos, contradições, imagens, sons, atmosferas, cores...
Após um período de vislumbramento, a TV passou a ser atacada por manipular (conceito clichê-fetichista explorado à exaustão) esta mesma realidade que ajudou a criar. Haviam achado a causa do mal-estar do século. Em resposta à TV, os jovens de 68 tentaram criar seus próprios meios de expressão: grafites nas ruas de Paris, os cartazes em diversas revoltas juvenis, o teatro de guerrilha, os sit-ins, love-ins, teach-ins, festivais hippies, festivais de rock, experiências coletivas com drogas, experiências místicas, show de luzes psicodélicas, shows multimídias, imprensa underground, psicodramas coletivos em instituições culturais ocupadas pelos movimentos juvenis, arte gráfica, canções provocativas nas manifestações, etc (GROPPO, 2001).
40 anos depois, absorvidos pelo establishment - termo anglicano que sugere muito mais profundidade do que o simples "sistema" - sobrou apenas o espetáculo. Da sombria teletela de George Orwell ao próprio Guy Debord, ele mesmo - ironia - espetacularizado e tornado "pop", de muitas releituras duvidosas, a TV não só passou a ser como permanece o meio de comunicação mais popular e de maior penetração na sociedade.
Maio de 68 não teria apelo suficiente para ganhar espaço nos principais telejornais e programas da TV brasileira? No ano em que o acontecimento inteira 4 décadas, não ganhamos muito mais que o silêncio. Ao contrário de revistas, jornais e a internet, que dedicaram algum momento para explorar temas relacionados ao maio vermelho, o que se vê é uma omissão dos canais de televisão aberta no Brasil, bem como uma cobertura muito tímida dos fechados. Globo/Globo News, Bandeirantes, SBT, Rede TV, Record, GNT...muito pouco, ou nada, se foi falado sobre a revolta que, em grande parte, moldou a sociedade que temos hoje. O que eles temem? O que há de tão inflamável?
Não resta muito com o que se preocupar. A "contracultura" já foi exaustivamente transformada em venda de discos, revistas, vestidos de moda, tráfico de drogas e pornografia; o que era underground tornou-se um crescente novo mercado nos Estados Unidos; houve incremento na indústria de livros com a demanda por obras de Marx, Lenin, Trotsky, Mao e de novos pensadores radicais como Fanon, Reich, Goodman, Wright Mills, Marcuse e Debray - além do assédio aos líderes estudantis Cohn-Bendit e Dutschke para a edição de seus pensamentos à época; as gírias e linguagem juvenis foram adotadas pela publicidade; a queda de tabus relativos à sexualidade transformaram-se em uma grande nova fonte de lucro, gerando verdadeiros complexos industriais em torno de revistas pornográficas e por aí se segue.
Cena do filme "The Wall", de Alan Parker
A mídia, claro, não só teve influência decisiva nisto, como já se cansou dela mesmo. "Papel social" é uma mentira bem contada - para quem quer acreditar - quando na verdade a visão mercantilista não é só alimentada, como regra. O que resta de crítica na TV brasileira hoje são iniciativas de programas como Observatório da Imprensa, Roda Viva e Provocações, todas veiculadas por uma emissora que ainda não definiu se é pública ou privada. Mas, na dúvida, é bom ficar em cima do muro: vende-se para os dois lados.
Este padrão de TV asséptica, acéfala, neutra e covarde, nivelada pela ausência de qualquer coisa que possa "comprometê-la", é tão fajuta e oca como a imensa parte do "jornalismo" que temos à disposição. Ela diz que é melhor esquecer maio de 68. É melhor esquecer porquê, pra ela, ele já não significa nada.
Debord disse logo nas primeiras páginas de "Sociedade do Espetáculo", segunda tese, que: A realidade considerada parcialmente desdobra-se na sua própria unidade geral enquanto pseudo-mundo à parte,objeto de exclusiva contemplação. A especialização das imagens do mundo encontra-se realizada no mundo da imagem autonomizada, onde o mentiroso mentiu a si próprio. O espetáculo em geral,como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo.
Enquanto nos preocupamos em assistir, não sobra tempo para viver. A mídia televisiva omite-se porque nós permitimos. Ela não está preocupada em interpretar a realidade porque, como Maio de 68, tudo que interessava ser sugado já foi. No máximo, encarado como "matéria de agenda", os 40 anos do acontecimento se apequenam nas telas apertadas onde boa parte da população brasileira vê o mundo. É uma metáfora válida para como se encontra boa parte de nós, espectadores: diminutos, acomodados, esperando a ração midiática do dia. Afinal de contas, pensar dá trabalho. E quem tem tempo para uma bobagem dessas, não é mesmo?
Referências:
GROPPO, Luís Antônio. Mídia, Sociedade e Contracultura. In XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Campo Grande, MS, 2001.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Editora Contraponto. Rio de Janeiro, 1997.
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